Falecida em 2022, a artista portuguesa é alvo de uma retrospetiva bem encenada. A artista nunca tinha sido exposta na Suíça.

Paula Rego nasceu em 1935, num Portugal sob o regime ditatorial de Salazar, marcado por um ambiente de machismo, catolicismo conservador e anticomunismo. O país, pobre e isolado, oferecia poucas oportunidades para o florescimento artístico. Graças à visão aberta dos seus pais, que mantinham fortes ligações com a Inglaterra, Rego teve acesso a uma educação que a maioria das mulheres portuguesas da época não podia sonhar. Mudou-se para Londres nos anos 1950, onde encontrou uma cena artística em ebulição, com escritores “irados”, pintores a discutir ideias em Soho e um cinema que começava a explorar temas sociais.

Reconhecimento e falta dele

Apesar do seu sucesso no Reino Unido, Paula Rego permaneceu relativamente desconhecida em países como a França, Alemanha e Suíça. Estes países, historicamente, negligenciaram a pintura britânica do século XX, com exceção tardia de Francis Bacon. Nos museus suíços, por exemplo, é raro encontrar obras de Rego, Lucian Freud, Frank Auerbach ou Leon Kossoff. Esta falta de representação reflete uma preferência europeia pela arte abstrata, enquanto artistas figurativos como Rego oferecem narrativas profundas e emotivas sobre a condição humana.

Temas e técnicas

A obra de Paula Rego é uma exploração intensa dos “jogos de poder” que permeiam a sociedade. Inspirada pela sua experiência sob um regime autoritário, ela aborda temas como dominação política, dinâmica familiar e relações de género. Utilizando principalmente pastel—a sua técnica de eleição—Rego cria composições vibrantes e saturadas, onde a espontaneidade do traço acrescenta uma camada de urgência emocional. Séries como “O Aborto” destacam a sua coragem em abordar assuntos polémicos; estas obras foram criadas em resposta ao referendo de 1998 em Portugal, que rejeitou a legalização do aborto, e são um poderoso testemunho da luta pelos direitos das mulheres.

A exposição em Basileia

O Kunstmuseum de Basileia apresenta atualmente a exposição “Paula Rego: Jogos de Poder”, com curadoria de Eva Reifert. A mostra organiza-se em torno de grandes temas como autorretratos, rebelião, dinâmica familiar e luta entre os géneros. A disposição cuidadosa das obras, incluindo pinturas, desenhos e gravuras pouco conhecidos, oferece ao visitante uma visão abrangente da carreira de Rego. A exposição destaca a teatralidade e a narrativa presentes no seu trabalho, criando uma experiência imersiva que reflete a profundidade e complexidade dos temas abordados pela artista.

Legado e impacto

Paula Rego faleceu em junho de 2022, aos 87 anos, deixando um legado indelével no mundo da arte. O governo português decretou um dia de luto nacional, um reconhecimento raro que sublinha a importância da sua contribuição cultural. A sua influência estende-se além das fronteiras de Portugal e do Reino Unido, inspirando artistas e desafiando o público a confrontar questões sociais e políticas através da arte.

A obra de Paula Rego é uma poderosa exploração dos mecanismos de poder que moldam a nossa sociedade. Através de uma combinação única de narrativa pessoal e comentário social, ela criou um corpo de trabalho que é ao mesmo tempo profundamente íntimo e universalmente relevante. A exposição em Basileia não é apenas uma retrospectiva da sua carreira, mas também uma celebração da sua capacidade de transformar experiências pessoais em arte que ressoa com audiências globais.

Informações práticas

“Paula Rego: Jogos de Poder” está patente no Kunstmuseum de Basileia, no segundo andar do Neubau, até 2 de fevereiro de 2025. O museu fica na Sankt Alban-Graben 16, Basileia. Aberto de terça a domingo, das 10h às 18h, e às quartas-feiras até às 20h. Para mais informações, visite kunstmuseumbasel.ch.