Uma jovem portuguesa, actualmente com 27 anos, foi vítima de sequestro e de múltiplas violações durante mais de um ano em Saxon, no cantão suíço do Valais. O autor dos crimes, um cidadão português de 59 anos, beneficiário de uma renda de invalidez (AI), foi condenado a oito anos de prisão. A sentença foi proferida a 27 de Novembro de 2025 pelo Tribunal de Martigny.
A vítima prestou depoimento à distância, a partir do Palácio da Justiça de Viana do Castelo, em Portugal. Ainda hoje vive com medo do agressor e afirmou não querer voltar a pôr os pés na Suíça. Regressou a Portugal em Julho de 2022, pouco tempo depois de conseguir escapar do apartamento onde esteve retida durante cerca de um ano.
“Era obrigada a fazer de conta que era a mulher dele”
Entre a jovem e o arguido existia uma diferença de idades de cerca de 30 anos. Segundo o seu testemunho, o homem queria fazê-la passar pela sua esposa. “Era obrigada a fingir que era a mulher dele. Eu não queria isso”, declarou perante o presidente do tribunal. Em português, contou ainda que era forçada, todos os dias, a manter relações sexuais: “Ele violava-me, rasgava-me a roupa. Era sempre, todos os dias.” Disse igualmente que vivia sob ameaças constantes.
Durante o depoimento, a jovem apresentou-se com o cabelo curto e vestida com um fato de treino largo, uma imagem que reflecte o profundo impacto psicológico dos abusos sofridos.
Da promessa de trabalho ao cativeiro
O agressor era um conhecido da família da vítima, emigrado na Suíça desde o ano 2000. Consciente da situação económica precária da jovem e da sua família em Portugal, prometeu-lhe trabalho e uma vida melhor na Suíça, tendo inclusivamente pago a viagem.
Contudo, após a chegada ao Valais, no verão de 2021, a situação mudou radicalmente. A jovem não podia sair sozinha à rua e era trancada em casa sempre que o homem se ausentava. Os seus documentos de identificação foram-lhe retirados, impedindo qualquer tentativa de fuga definitiva.
Durante a investigação, o condenado admitiu ter conhecimento da vulnerabilidade da jovem, proveniente de uma família pobre. Terá contactado os familiares através das redes sociais e deslocou-se a Portugal para organizar a sua vinda, encontrando-se com a mãe num centro comercial, onde lhe emprestou dinheiro e prometeu um futuro melhor para a filha.
Sequestro posto em causa pela defesa
O arguido esteve ausente do julgamento por motivos de saúde. O seu advogado, Me Basile Couchepin, contestou a existência de sequestro, alegando que a jovem não estava privada de liberdade, uma vez que o apartamento se situava no rés-do-chão e dispunha de janelas que poderiam servir de via de fuga — algo que a própria terá feito em várias ocasiões, regressando depois ao local.
A defesa afirmou ainda que o quinquagenário desejava que a jovem fosse independente e tivesse um emprego, mas que esta não conseguia orientar-se sozinha.
Em resposta, a advogada da vítima, Me Audrey Wilson-Moret, invocou a existência de uma forte relação de domínio e controlo. A jovem encontrava-se isolada, sem documentos, sem recursos financeiros, sem falar francês e sem conhecer a região. Foi apenas graças a um encontro fortuito com um passante, durante a última tentativa de fuga, que conseguiu ajuda e pôr termo ao seu sofrimento.
Declarações consideradas coerentes
A procuradora Camilla Bruchez sublinhou a coerência e constância das declarações da vítima ao longo de todo o processo, em contraste com as versões contraditórias apresentadas pelo arguido. Inicialmente, este falou de uma relação amorosa consensual, chegando a mencionar noivado. Mais tarde, passou a negar qualquer violência sexual e acusou a jovem de o pressionar para ter um filho, algo que, segundo ele, não seria possível devido à idade e a problemas cardíacos.
Reconhecimento do estatuto de vítima
O condenado permanece em liberdade até a decisão transitar em julgado, sendo ainda possível recurso. Caso a pena seja confirmada, será afastado do território suíço por um período de dez anos após o cumprimento da pena.
O tribunal fixou ainda uma indemnização de 15 mil francos suíços por danos morais a favor da vítima. Para a sua advogada, a decisão representa um reconhecimento essencial: “O tribunal reconheceu claramente o estatuto de vítima da minha cliente. O que aconteceu não teve nada a ver com uma relação de casal.”
